Pode ser soja, milho e algodão. Ou soja, feijão e trigo. Em algumas fazendas, planta-se primeiro soja, depois o milho e por fim capim na para engordar o gado — o que os agricultores chamam de “boi safrinha”.

O avanço da tecnologia no campo, com melhoramento genético de sementes, irrigação e uso do plantio direto (técnica em que o solo é pouco revolvido) está colocando o Brasil numa posição única no mundo: a colheita de três safras por ano numa mesma área, tendência que ganha cada vez mais espaço no país.

O uso do solo durante todo o ano, sem interrupções, é uma vantagem competitiva em relação a nações do Hemisfério Norte, onde o inverno rigoroso interrompe esse ciclo. Com o avanço das três safras, aliada à recuperação de pastos degradados, os especialistas afirmam que o Brasil tem potencial para dobrar sua produção agrícola sem desmatar novas áreas.

“A tecnologia para a produção de três safras já está dominada. Esta é uma vantagem do Brasil em relação aos países onde há neve. Nossa capacidade produtiva é assombrosamente mais elevada por conta da possibilidade de usar o solo o ano todo”, diz Roberta Carnevalli, chefe de pesquisa da Embrapa Soja.

Essa rotação de culturas depende das características de cada região do país, como intensidade da chuva, luminosidade e temperatura. Como elas variam em cada lugar, há mais possibilidade de diversificar a produção. No Sul, a terceira safra pode ser de trigo, aveia ou até cevada.

A família do agricultor Emilio Kenji Okamura está há mais de quatro décadas produzindo na região de Capão Bonito, a 243 quilômetros da capital paulista. Com sementes que têm ciclo mais curto de produção, tem conseguido fazer até três safras num ano numa área de 300 hectares com soja, feijão e trigo ou sorgo na terceira safra. O feijão que normalmente leva 120 dias para ser colhido, nesse caso leva 90 dias: “O plantio da próxima cultura acontece simultaneamente ao da colheita da anterior. Com melhoramento genético, temos ciclos mais precoces, e a irrigação é importante para os períodos mais secos”.

Necessidade de irrigação

O engenheiro agrônomo Nelio Uemura, do departamento técnico da Cooperativa Agrícola de Capão Bonito (CACB), conta que a quase totalidade dos cem agricultores nos cerca de três mil hectares de feijão plantados na região consegue colher três safras num ano. Os que ainda não estão nesse patamar obtém cinco colheitas em dois anos.

O feijão é plantado em agosto e colhido no início de novembro. A soja vem em seguida e é colhida até março, e o trigo é plantado em abril. Este ano, com o inverno mais quente, ele conta que houve mais pragas, como a mosca branca, que ataca o feijão e soja. Por isso, os produtores plantaram o milho após a colheita do feijão: “Temos tido boa produtividade da soja pós-feijão, com algo entre 55 a 60 sacas por hectare, quando a média brasileira é de cerca de 53 sacas”.

Roberta, da Embrapa Soja, observa que a terceira safra de grãos normalmente acontece em período mais seco, e por isso, é necessária a irrigação — o que demanda investimento maior. Em Pernambuco e Roraima, por exemplo, tem sido produzido milho na terceira safra com irrigação.

O custo de irrigar um hectare é estimado em cerca de R$ 3 mil e nem sempre há água disponível. Esta é uma das barreiras para colher a terceira safra em época de seca. Por isso, em algumas regiões, a terceira safra é de capim, comumente a braquiária, que forma pastagens e alimenta o gado.

Em Campo Verde, no Mato Grosso, a Bom Futuro, empresa agrícola com 36 fazendas produtoras no estado e que atua nos setores de pecuária, sementes, energia, entre outros, colhe três safras em 700 hectares irrigados. Dependendo do ano, planta-se soja, milho e algodão, ou soja, algodão e milho.

A produtividade é elevada com 80 sacas de soja por hectares nas áreas com irrigação, diz Nahzir Oke Junior, gerente administrativo de parcerias agrícolas da Bom Futuro.
Já na cidade de São José do Rio Claro, também em Mato Grosso, a fazenda Agromar, da Bom Futuro, faz a integração lavoura/pecuária, que permite o cultivo da lavoura e de pastagem em uma mesma área. A cultura da soja é seguida do milho e, na terceira safra, vêm as plantas forrageiras, que garantem alimento para os animais, especialmente para o gado de corte.

O produtor reduz os custos operacionais, aumenta a fertilidade do solo e acelera a recuperação de áreas degradadas — além de melhorar sua rentabilidade com o gado, vendido para grandes frigoríficos como JBS e Marfrig.

“Produzimos mais na mesma área. É um sistema mais sustentável. A pastagem melhora a fertilidade e a permeabilidade do solo para soja, evita erosão, e aumenta a rentabilidade, já que o gado engorda um quilo por dia quando se alimenta neste pasto”, explica Nahzir Okde, lembrando que os 320 mil hectares da Bom Futuro, 42 mil já usam o sistema integração.

Para o pesquisador do Insper Agro Global, Leandro Giglio, a intensificação da produção pecuária com redução do tempo de abate, a adoção de processos de integração lavoura/pecuária, a intensificação das safras (elevando de duas para três colheitas) e a recuperação de pastagens degradadas vão permitir que o Brasil tenha potencial de dobrar sua produção sem expandir para áreas nativas nos próximos anos.

“Temos 160 milhões de hectares de pastos e mais da metade desse total com algum nível de degradação. As áreas de pastagens degradadas chegam a ser quase equivalentes ao total de área ocupada no Brasil com agricultura e silvicultura. Isso mostra que temos potencial para mais que dobrar a produção”, diz Giglio.

Um estudo do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV) revelou que para recuperar e reformar todas as áreas de pastagem que apresentam algum nível de degradação seriam necessários R$ 383,7 bilhões.
A Fazenda Roncador, em Querência, no Mato Grosso, com 53 mil hectares, vem praticando a agricultura regenerativa, com integração de lavoura e pecuária, que ocupa quase 80% da área. Plantam soja, milho e capim.

O CEO da Roncador, Pelerson Dalla Vecchia, lembra que a melhoria genética das sementes produz variedades mais resistentes, que enfrentam as condições climáticas atuais. Na cultura do que ele chama de “soja inteligente” é usado o controle biológico de pragas, reduzindo largamente a aplicação de produtos químicos.

A Roncador desenvolveu uma forma de fortalecer e rejuvenescer o solo através da mineralização, em que pó de rocha é misturado à terra. São técnicas que ajudam a mitigar os efeitos climáticos do calor extremo e da falta de chuvas, de forma sustentável: “A pastagem melhora a resiliência do solo, mantém a umidade e a temperatura mais baixa. E garante três meses de comida para o gado na seca”.