As queimadas que se espalham pelo país sinalizam que a estiagem deste ano poderá levar a agricultura brasileira a registrar uma segunda safra seguida de perdas, segundo especialistas e associações de produtores.

Conforme o IBGE e a Conab, empresa do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), a safra de grãos 2023/2024, que está terminando, teve uma queda na casa de 6%, por causa das ondas de calor e da estiagem da primavera de 2023.

Segundo José Carlos Hausknecht, sócio da consultoria MB Agro, o impacto das queimadas é mais indireto. A combinação de estiagem com calor espalha o fogo pelas matas, e também chama a atenção para a seca, que atinge a produção agropecuária de forma mais generalizada.

Se as chuvas não vierem na primavera deste ano, que começa no próximo domingo, dia 22, o quadro poderá se repetir — as primeiras estimativas para a safra 2024/2025 sairão a partir do mês que vem.

O efeito direto tem chamado mais a atenção para os canaviais do interior de São Paulo. A Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) paulista estimou em R$ 2 bilhões os prejuízos causados pelas queimadas, sendo R$ 1,2 bilhão relacionados à produção de cana-de-açúcar.

Pelo menos 232 mil hectares de lavouras de cana foram atingidos por incêndios no interior de São Paulo, segundo a Unica, entidade que representa o setor — as regiões de Ribeirão Preto, São José do Rio Preto e São Carlos foram as mais atingidas pelos incêndios, respondendo por cerca de 90% da área queimada até o momento.

Só que a área atingida, por enquanto, é pequena diante do total plantado, lembrou Hausknecht, da MB Agro. Segundo a Conab, a área total de cana plantada na safra 2024/2025, que vai até março do ano que vem, soma 8,6 milhões de hectares.

Em São Paulo apenas, são 4,3 milhões de hectares, ou seja, a área atingida pelas queimadas equivale a 5,4% da área total paulista.

Segundo Hausknecht, o efeito direto da seca é mais importante do que o das queimadas. A própria cana tem sido afetada pela falta de chuvas. Segundo a Conab, a produção da safra atual deverá somar 690 milhões de toneladas, queda de 3,3% ante a safra 2023/2024.

As culturas perenes — cujas plantações dão frutos ao longo dos anos, por mais de uma safra — são as mais afetadas, completou o consultor. São os casos do café e da laranja, que estão com sinal de queda na produção já há algumas safras e continuam num cenário de crise.

No caso da laranja, a produção do “cinturão citrícola” de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro na safra 2024/2025 deverá ficar em 215,78 milhões de caixas de 40,8 kg, queda de 7% em relação a estimativa anterior, feita em maio, conforme relatório divulgado semana passada pela Fundecitrus, entidade de pesquisa do setor.

“A redução se deve ao menor tamanho dos frutos, por causa do clima quente e seco. As condições climáticas previstas em maio para os primeiros quatro meses da safra foram ainda piores, com volume de chuvas 31% inferior ao esperado. Além disso, as temperaturas elevadas durante o outono e o inverno intensificaram a evapotranspiração, agravando a severidade da seca”, diz o relatório.

No caso do café, depois da supersafra de 2019/2020, os cafeicultores brasileiros vêm enfrentando uma série de acontecimentos adversos, como uma geada atípica em 2021 e a estiagem iniciada na primavera de 2023, contou Celírio Inácio, diretor executivo da Abic, que representa a indústria cafeeira. Por isso mesmo, os preços do café não param de subir.

A Conab estima a produção deste ano em 58,8 milhões de sacas, ante de 63,1 milhões, em 2020. Embora as queimadas não afetem diretamente os cafezais, são um indício da estiagem severa, e as notícias sobre eles já fomentam altas nas cotações internacionais do café, afetadas também por quebras de safra no Vietnã, disse Inácio.

As culturas anuais, como soja e milho, destaques na produção nacional de grãos, também são afetadas pela seca. Segundo a Conab, a produção de soja ficou em 147,4 milhões de toneladas na safra 2023/2024, queda de 4,7% sobre a safra anterior. Os principais problemas foram o calor excessivo e chuvas irregulares no início da primavera passada, um ano atrás.

“De modo geral, isso pode elevar custos e diminuir a janela de produção. Com isso, se reduz a produtividade. No ano passado tivemos um problema de seca no mesmo período, mas houve um bom desenvolvimento da safra e as perdas não foram tão grandes como se esperava no início”, disse Leandro Giglio, pesquisador do Insper Agro Global.